Analfabetismo funcional

Estadão, 11-set-98, p.A3

Cerca de 75% dos brasileiros entre 15 a 55 anos são de fato analfabetos.
E são 25% nos EUA.

Pesquisa realizada com o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) procurou medir a capacidade do trabalhador brasileiro de entender o que lê e estabelecer relações entre quantidades expressas em números. Os resultados foram preocupantes. Os critérios adotados para a análise da pesquisa foram os mesmos de estudo semelhante realizado nos países da Organização de Cooperação Econômica para o Desenvolvimento (OCDE), instituição que reúne os 24 principais países industrializados.

A pesquisa, coordenada pela professora Vanilda Paiva, é a primeira "avaliação cognitiva em domicílios" realizada no Brasil. Foram feitas mais de 2 mil entrevistas em São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas, com população entre 15 e 55 anos. Os resultados mostraram que entre 69% e 81% dos entrevistados, quando solicitados a analisar um texto informativo simples, só reconhecem o tema sem conseguir diferenciar o fato narrado de uma opinião. Quando o texto tem mais de 30 linhas, os entrevistados - de diferentes classes sociais e ocupações - não conseguem localizar a informação básica.

Quando se tratava de estabelecer relações entre quantidades expressas em números, entre 76% e 81% dos entrevistados (variando conforme a cidade) conseguem somar números inteiros quando se trata de valores monetários por exemplo, mas não são capazes de somar ou subtrair números decimais. É possível avaliar os efeitos dessa limitação quando se vê, pela pesquisa, que 80% dos entrevistados têm dificuldade para entender, por exemplo, uma conta sobre juros reais que incidem sobre a prestação de um eletrodoméstico.

Esse tipo de analfabetismo - chamado de funcional - é apenas parte dos problemas a serem enfrentados pelas autoridades da área educacional. A pesquisa evidencia que a escolaridade formal apresenta sérias deficiências. Só os que tinham o ensino fundamental completo foram capazes de assimilar a informação fundamental do texto e apenas os que haviam completado o segundo grau podiam assimilar informações numéricas básicas.

O problema das deficiências na escolaridade formal não é apenas brasileiro nem de países subdesenvolvidos. Em 1990, estudo realizado nos Estados Unidos mostrou que 25% da população norte-americana escolarizada padecia de analfabetismo funcional. Em 1996, pesquisa mostrou que 26% dos americanos entrevistados, tendo concluído o curso superior, na realidade só tinham os conhecimentos mais elementares das disciplinas cursadas. Este dado não serve como desculpa para nossos baixos índices, mas apenas demonstram o quanto é deficiente a escolaridade formal - aqui e nos Estados Unidos.

A distância entre o que a escola ensina e o conhecimento efetivamente acumulado exige atenção de educadores, do governo e até mesmo da mídia. Para o Brasil, trata-se, no fundo, de um problema que pode afetar toda a vida democrática: até que ponto os brasileiros tidos como alfabetizados conseguem entender o conteúdo daquilo que lhes é comunicado pela imprensa escrita e até mesmo pela televisão, quando ela foge dos programas popularescos?

Para o mundo do trabalho, essa pesquisa oferece ensinamentos ainda maiores. A exigência de boa formação, que apenas uma sólida escolaridade pode oferecer, não se coaduna com a solução do treinamento rápido, que não é capaz de superar o despreparo cognitivo do trabalhador para ocupar o posto de trabalho que exige o domínio de uma nova tecnologia. O grande desafio das autoridades educacionais é resolver o problema que não é só nosso.

(Um exemplo de analfabeto funcional)

 

Escola aprova alunos que não sabem ler

A Gazeta, 01/07/2001 - Vitória ES

Apesar de deter um dos menores índices de repetência escolar do país no ensino fundamental (1ª a 8ª série), a rede escolar pública do Espírito Santo ainda forma alunos que mal sabem ler e escrever. De acordo com o Censo Escolar divulgado na última quarta-feira pelo Ministério da Educação (MEC), a taxa de repetência no ensino fundamental, tanto na rede pública quanto particular no Estado, é a quarta menor do Brasil e caiu de 25,9 para 15,9 entre os anos de 1995 a 2000. A média nacional é de 21,6.

"Isto significa que menos alunos estão ficando reprovados ou abandonando as escolas. Um aluno é considerado dentro da taxa de distorção idade-série quando tem dois anos a mais do que o padrão geral da turma que frequenta", explica Vera Castiglioni, subsecretária pedagógica do Estado. Apesar da conquista, ela afirma que várias alterações no sistema didático estão sendo estudadas para melhorar a qualidade do ensino.

Os professores que atuam na rede pública afirmam que o índice de repetência pode até ser baixo, mas não garante a qualidade do ensino. Na avaliação de alguns deles, com a implantação do chamado Bloco Único (BU), que abrange as séries entre 1ª e 4ª, ao extinguir as avaliações para os alunos ele reduziu a repetência, mas dificultou o ensino. A criação do BU ocorreu em 1992 na rede estadual do Espírito Santo e também é aplicada em algumas escolas municipais. "Creio que o BU foi criado para conter a evasão escolar que surgia com a repetência, mas estamos sendo obrigados a aprovar alunos que não evoluem no aprendizado", comenta a professora Geralda Maria Nascimento Fraga.

Geralda, que leciona na escola estadual São Jorge, em Cariacica, acredita que a falta de empenho dos pais e o grande número de faltas também acaba prejudicando o aprendizado. Há 12 anos atuando no Magistério, ela acompanhou a implantação do BU. "Alguns alunos deveriam ficar retidos nestas séries iniciais justamente para não chegar na 5ª sem saber ler e interpretar textos. Como não há provas e recuperação, os pais se acomodam e não cobram o estudo dos filhos", comenta. Esse é o caso da pequena Jéssica, de 8 anos. Estudando na segunda etapa do Bloco Único, que equivale à 2ª série, a aluna tenta com dificuldade ler a formação das sílabas. "Ela copia tudo do quadro e tem uma letra ótima. Entretanto, ela não lê a menor das palavras", lamenta a professora Geralda.

A extinção das antigas séries de pré-escola foi outro fator negativo apontado pelos professores. "Antes, as crianças vinham com alguma noção antes de entrar no ensino fundamental. Agora recebo alunos que mal sabem segurar um lápis", desabafa a professora Jovacy Maria da Penha, da escola São Jorge.

A profesora, que trabalha com alunos do último ano do Bloco Único, afirma que, ao final do ano, não pode aplicar provas, e, por isso, estimula os alunos com trabalhos e exercícios. "Como muitos não estudam em casa, o quadro fica ainda pior".

Sedu admite distorções do sistema

A subsecretária pedagógica da Secretaria de Estado da Educação, Vera Castiglioni, também vê distorções no Bloco Único. "O problema é que o Bloco Único teve disfunções que não foram corrigidas. A grande rotatividade de professores e a falta de acompanhamento dos resultados fez com que o projeto fosse desvirtuado. Ele não diz que o aluno deve passar mesmo sem saber nada", salientou. Vera anunciou que o processo de reformulação do Bloco Único está em andamento e vários seminários aconteceram no ano passado para levantar as principais dificuldades dos mestres. "Descobrimos que os professores querem ser melhor capacitados para lidar com o Bloco Único e a partir de agosto deste ano será ofertada outra etapa do Programa de Professores Alfabetizadores", comenta. Em uma avaliação geral, Vera aponta que grande parte dos resultados são fruto do empenho dos próprios professores. "Quando se trabalha de forma integrada com a ajuda de profissionais é possível se chegar a bons resultados. Também dependemos da família e da sociedade. Esperamos conseguir parar de produzir alunos com defasagem escolar", acredita.

 

MEC quer redução dos analfabetos funcionais

A Tarde, 07/08/2001 - Salvador BA

Setenta por cento das matrículas de alunos do ensino fundamental, na rede pública no Estado, são de responsabilidade das prefeituras. A melhoria da qualidade do ensino é o maior desafio dos secretários municipais de Educação, que se queixam da falta de recursos para investir no aprendizado pré-escolar. Coordenadora do III Encontro de Secretários Municipais de Educação, aberto ontem pela manhã, no Hotel da Bahia, em Salvador, a representante do MEC, Mariza Timm Sari, alertou para a necessidade de se reverter o quadro dos chamados analfabetos funcionais, alunos que mal sabem ler e escrever nas duas primeiras séries.

Na avaliação do secretário estadual da Educação, Eraldo Tinôco, o País ainda não consegue alfabetizar as crianças nas duas primeiras séries do ensino fundamental. "Não estamos conseguindo que a criança seja alfabetizada nas primeiras séries. Se a criança não consegue ler e escrever, fazer as operações aritméticas, estará despreparada. Será como construir uma casa sobre bases de areia". Falando para secretários municipais baianos, ele disse que é preciso repensar o Fundef (Fundo de Valorização do Magistério e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), ampliando suas ações para o ensino médio e redistribuindo as responsabilidades e investimentos com o governo federal.

O elevado contingente de analfabetos funcionais (segundo metodologia do MEC, aqueles que têm no máximo três anos de instrução), de 51% da população baiana com 10 anos ou mais de idade (PNAD/IBGE, 1999), é uma preocupação da Secretaria da Educação, que implantou o Programa Educar para Vencer em 130 municípios baianos e pretende, no próximo ano, dobrar esse número. O secretário Eraldo Tinôco disse que o problema acontece em todo o País. "O jovem de hoje ainda não está aprendendo o que deve aprender", admitiu.

O encontro teve a participação de técnicos do Ministério da Educação e do Banco Mundial (Bird). A principal recomendação é para que seja dada mais ênfase à melhoria da qualidade do ensino. Para tanto, Mariza Timm Sari disse que é preciso que o próprio MEC olhe com mais atenção as ações desenvolvidas pelos municípios, onde se concentra a grande maioria dos alunos matriculados no ensino fundamental.